terça-feira, 18 de setembro de 2012

Fernando Koproski em entrevista para Jonatan Silva
para o Paraná Online

Por que escolher Bukowski novamente?
Porque depois de concluir o “Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém” em 2002 (o livro foi publicado em 2005), a primeira antologia poética onde selecionei e traduzi poemas do Charles Bukowski, houve o lançamento de diversas coletâneas de poemas do Bukowski no mercado americano. E conforme lia esses livros, ficava ainda mais entusiasmado pela incrível qualidade do material que estava sendo publicado. Além destes livros póstumos, havia livros do Buk (publicados em vida) que eu não havia utilizado na seleção de material pro “Essa loucura roubada”. De forma que quando percebi, tinha na cabeça um livro pronto pra ser traduzido e montado, o “Amor é tudo que nós dissemos que não era”.

Como você "descobriu" Bukowski?
Comecei a ler Bukowski pela prosa, por seus romances e livros de contos, onde volta e meia havia a informação na biografia do autor dizendo que ele havia publicado dezenas de livros de poesia. Mas na época (fim dos 80 e início dos 90...) não havia nenhuma tradução em português desses livros. De forma que sempre tive dúvidas de que isso fosse verdade... até que em 2000, quando morei um tempo em Londres, tive a prova quando mergulhei naquelas fantásticas livrarias e encontrei diversos livros de poemas do velho. Na época, eu lavava pratos num restaurante enquanto estudava o idioma. E fora a jornada de trabalho cansativa (das 9:00 am às 11:00 pm), tinha um chefe extremamente estúpido que vivia na minha cola e na de outros funcionários estrangeiros. De forma que quando comecei a ler a poesia do Bukowki neste cenário, a sua poesia fez o maior sentido pra mim, pois naquela época eu dividia junto com os outros trabalhadores ilegais do restaurante uma realidade que eu percebi semelhante a de vários personagens fodidos dos poemas do Buk. Na prática, tinha que aturar um chefe gritando na minha orelha direto enquanto eu passava horas e horas lavando pratos e panelas, e contando os centavos num trabalho sufocante. E então foi inevitável pra mim fazer a associação entre estas duas realidades, a do Henry Chinaski pulando de subemprego em subemprego em Los Angeles e a minha, de imigrante também num subemprego. A poesia do Bukowski naquele cenário descortinou pra mim a verdade.

O que representa esse novo projeto?

Este livro representa um desenvolvimento do meu trabalho de tradução de poesia, e naturalmente um aprofundamento meu na lírica doída do velho Buk.

Como funcionou a seleção dos poemas escolhidos? Houve algum critério em específico?
Houve sobretudo o critério de apresentar um panorama significativo dos livros inéditos de poesia do Bukowski em português, por meio de poemas representativos de seus diversos temas (tema do amor, tema literário, tema existencial), semelhante ao critério que estabeleci para o “Essa loucura roubada”. É claro que em paralelo a este critério, passei a consultar a crescente receptividade dos poemas do Buk junto aos leitores de língua inglesa, e os diversos diálogos de sua poesia com a arte cinematográfica (através de vários poemas do Bukowski que colaboraram para roteiros de cinema) a fim de tornar mais ampla a seleção dos poemas.

Algum texto apresentou alguma forma de desafio na tradução? Qual trecho?
Vários desafios surgiram ao longo do trabalho, pois em tradução, ao contrário do que os teóricos da tradução pregam insistentemente, cada caso é um caso e deve ser estudado em separado. Esta é uma simples verdade que apesar de ser tão óbvia alguns professores esquecem de considerar...

O poema "então você quer ser escritor?" pode ser tido como um guia para os novatos?
Certamente, ao lado de “como ser um grande escritor” (traduzido no “Essa loucura roubada”), o poema “então você quer ser escritor”, incluído em “Amor é tudo que nós dissemos que não era” pode ser visto como um antimanual de instruções para os iniciantes. Há um realismo desconcertante e pertinente em versos como: “a não ser que saia de/ sua alma como um foguete,/ a não ser que ficar parado te/ leve à loucura ou/ ao suicídio ou assassinato,/ não faça.”

Levando em conta que você trabalha neste livro desde 2008, podemos dizer que a tradução é um processo de maturação?
Com certeza. O livro passou por diversas roupagens até adquirir a forma atual.

Além do Bukowski você também já traduziu o Cohen, qual a diferença fundamental entre o processo de tradução entre eles?

Embora elas (as traduções de Leonard Cohen e as de Bukowski) se comuniquem dentro de mim de uma estranha maneira, às vezes até mesmo ensaiando a criação de um terceiro braço pra minha poética (pois também escrevo poemas e o exercício de tradução utiliza muito do que eu considero e pratico em minha poesia), também percebo diferenças entre as poéticas destes autores e isso é muito frutífero, pois me faz sempre pensar e considerar a poesia não só para aquele recorte de tempo que os livros delimitam, mas também considerar o que pode ou mesmo deve ser a poesia para os nossos dias e, sobretudo, para as nossas vidas.

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