quinta-feira, 3 de abril de 2014

Fernando Koproski: esse poeta deve viver
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Publicado em 02/04/2014 às 00:00:00

Perfil de Jonatan Silva
Jonatan Silva é formado em Jornalismo e apaixonado por literatura e cinema. Escreve sobre o hábito neurótico e pouco ortodoxo de ler.


Em uma entrevista de 1994, Jô Soares perguntou a Renato Russo se ele era lírico ou romântico. A resposta saiu feito um tiro: lírico. Passados 20 anos, o poeta curitibano Fernando Koproski coloca em xeque não só o significado do que é ser lírico ou romântico, mas também do que é ser poeta em um tempo em que não se fazem mais amores como antigamente.

Koproski encerra - com "Retrato do artista quando primavera" e "Retrato do amor quando verão, outono e inverno" - a trilogia Um poeta deve morrer - iniciada em 2009 com o livro "Nunca seremos tão felizes como agora". Os dois volumes de poesia, lançados na semana passada, muito mais que um conclusão, são, na realidade, uma nova fase, mais madura e consciente do papel da poesia - e por que não, do poeta? - na sociedade contemporânea.

O poema que inicia o segundo livro da trilogia dá o ultimato: "O Livro que não se vende". A brincadeira, entre o livro encalhado na prateleira da livraria e a poesia não-comercial, aquela realmente não rende ao status quo, já permite entrever o humor e o lirismo de Koproski nas próximas páginas - o melhor amálgama entre Bukowski e Cohen, dois autores que já tiveram sua poesia vertida ao português pelo curitibano.

As Quatro estações

O templo de um poeta não é somente o corpo de sua musa, mas também o cotidiano, que o coloca ao lado de qualquer um de nós. "As Flores em greve de fome" retratam justamente o dia a dia de um poeta moderno, que precisa deixar seus afazeres literários e lavar a louça, pagar as contas e escolher cada uma das palavras que irá compor a sua criação, dá mesma forma que a sua musa escolhe o feijão que alimenta, materialmente, a relação.

Assim como uma tatuagem, em especial a "Tatuagem" de Chico Buarque, as marcas do amor estão da pele do casal:

leio toda a sua pele
toda a epiderme das páginas
desse livro
que sou eu e você

A poesia de Fernando Koproski, que já serviu de alimento para as canções de Carlos Machado, Beijo AA Força e Alexandre França, tem lá também seus inimigos e, o maior adversário, sem dúvida é o impetuoso academicismo poético que brota como erva daninha nas universidades de todo o mundo. "Universidade federal" é um recado direto e duro contra todos os que dopam a poesia para tentar explicá-la, dissecando o poema e acabando por matá-lo.

A poesia não precisa de rigor, não precisa de rima, precisa de sentimento e desejo; o poeta não deve ser um escravo da linguagem, como se a escrita fosse uma ameaça. O papo de Koproski é reto, os "Escravos da linguagem":

vivem em um condomínio fechado
habitado por rimas enrugadas,
canções cansadas estrofes diabéticas
e figuras de linguagem desfiguradas

"Retrato do artista quando primavera" é a formalização do vazio que preenche o ser humano e que o forma, permitindo a contestação do que é o mundo ao redor, mesmo que mundo acabe em um dia ou acabe em poesia ("As Vezes").

"Cohenrência"

Toda poesia é uma forma de ensaio, já que aquelas palavras impressas no papel são a visão de um indivíduo que se permite ver o que o cerca com outros olhos. Fernando Koproski é, então, um exímio ensaísta, um homem que coleta as imagens do flerte diário com a poesia, encontrado os temas em tudo - mas não em todos.

E toda essa coerência vêm de suas influências, que se estendem de rock britânico aos textos do canadense Leonard Cohen - antes que ele se transformasse em um dos principais porta-vozes da combinação entre música e poesia -, passa pelo norte-americano Charles Bukowski e desembocando em lan McEvan.

Todo esse cabedal permite a ele criar um diálogo entre a sua obra e a de seus "heróis". "You're my woman", além de uma homenagem à Ingrid, sua musa, é uma resposta a Cohen e sua canção/poesia “I’m your man".

A poesia de Koproski é pautada no real, no palpável, em tudo o que pode ser sentido e, como não poderia deixar de ser, na dor. "Canção com obturação" é mais que a representação das feridas, é a balada do perdão em que a obturação é um remendo necessário para que seja possível a convivência.

Mil e uma noites de poesia

Koproski não é nenhum novato, mas sua produção é recheada do vigor que os jovens possuem. Sem medo de deitar as páginas, ele não se interessa pelo formato em si, que nada mais é que uma plataforma para os seus pensamentos. "Retrato do amor quando verão, outono e inverno" é uma versão joyceana das mil e uma noites, em que o homem perambula, por meio da poesia, pelas ruas de uma cidade que pode ser Curitiba, mas também pode ser São José dos Pinhais, Dublin ou Tóquio.

Koproski, que perambula mas não cambaleia, brinca com a poesia em seus poemas em prosa, deixando claro que o formato é ínfimo e o que vale mesmo é o que é dito naquelas linhas. Logo, a essência de tudo é a caminhada, o andar, o perambular...

Quando sai de casa ontem, um outdoor me dizia com toda a sua sabedoria que a gente sempre herda o melhor dos pais.

O artista plástico Hélio Oiticica dizia que o artista não possui um "caminho" a seguir, ou seja, todas as direções estão certas, são corretas e não levam a becos sem saída, porque, acredito eu, em termos de arte, todo beco sem saída leva a uma vanguarda. A poesia de Koproski caminha por esses becos que, mesmo escuros - mas nunca obscuros -, permitem a ele e ao leitor ver o que é luz.

O poeta anda por temas difíceis como a morte e a angústia que é saber pensar com um quê de critica. Em "Imensidão azul", todos morrem afogados, seja em uma banheira como Jim Morrison ou em uma piscina como Brian Jones, mas também há os que morrem afogados em suas mágoas.

O poema "O Dia em que a poesia pagar meu plano de saúde" brinca com a possibilidade de não se ter onde cair morto. Não interessa o quanto um livro é reproduzido, pode ter vendido "trezentas e cinqüenta e sete mil e duzentas e noventa três" cópias, o poeta continuará a ser o que é, um criminoso - por matar as certezas do homem medíocre.

Mas como diz Koproski, nada mais próprio a um escritor que ser reincidente em um crime. Melhor ainda, meu caro Koproski, se o crime for triplo.

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