quinta-feira, 12 de março de 2015

LIVRO DE FOGO

meu amor, hoje eu taquei fogo naquele livro todo que escrevi pra você. nada mais justo que isso, ver todos aqueles poemas que foram fogo depois de anos voltarem a ser fogo novamente e queimarem mais uma vez.
    e ao ver eles queimarem mais uma vez na minha frente, pensei em como é bom meu verso não ser mais chama, meu coração não ser mais aquela estúpida e ingênua – ou seja uma pura e verdadeira – bomba de gasolina prestes a explodir a qualquer você, a qualquer estilhaço retalho ou papel almaço de você, a qualquer faísca de promessa de sim, a qualquer ridícula possibilidade de fim. meu amor, como é bom meu sangue não ser mais o caminho pra você queimar e se alastrar por dentro de mim.
    hoje eu taquei fogo naquele livro todo que escrevi pra você. não precisei nem riscar um fósforo. bastou abrir o livro e o fogo começou a queimar pelas bordas das páginas e ir em direção ao centro. conforme o fogo ia queimando e caminhando para o centro das páginas, ele ia lendo os versos ardentes que escrevi pra você.
    e assim ele ia retorcendo as páginas uma a uma, queimando e virando elas aos poucos, de forma que no fim desse livro de fogo ia formando uma imensa rosa negra de páginas queimadas, retorcidas umas sobre as outras, cinzas sobre as cinzas.
    sim, meu amor, essa é a rosa que eu trago pra você agora, feita de pétalas cauterizadas, acesas e abraçadas e abrasadas e arruinadas em todos os incêndios alastrados em versos de nosso amor.
    vinda de um jardim ingenuamente inflamável, onde ousei cultivar no mesmo lugar no mesmo corpo e no mesmo verão esse livro, cheio de flores de fogo da juventude e de poemas com indiscretas queimaduras de terceiro grau.

Fernando Koproski
do livro “Retrato do amor quando verão, outono e inverno” (7letras)

e aqui está o livro “Retrato do artista quando primavera” (7letras)
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