quarta-feira, 1 de julho de 2015

Esta é a entrevista que concedi ao jornalista Matheus Campos, falando sobre poesia e Charles Bukowski:

- Qual era a essência dos poemas e da escrita de Bukowski?
A grosso modo, quando se trata de literatura, a essência é sempre “o que” falar, antes do “como” falar. E o Bukowski sempre teve algo a dizer. É por isso que sua poética encontra tamanha receptividade junto aos leitores. Aqui estamos diante de um autor que tinha muito a dizer e o disse com concisão, beleza e intensidade. Conciliou simplicidade e sofisticação em sua poesia ao tratar de temas universais tais como as dificuldades de relacionamento entre pais e filhos, os reveses no relacionamento entre homens e mulheres, ou a gritante inadequação do homem ao se relacionar com seu próprio tempo, em sua busca desesperada por significação em um mundo cada vez mais prenhe de barbárie e falta de sentido.

- Qual o maior desafio em adaptar seus textos para o português?
O maior desafio nessa prática de tradução foi a singular coloquialidade dos textos. A poesia bukowskiana apresenta uma beleza única ao se servir da coloquialidade. E seria muito fácil traduzir os poemas do Bukowski, apenas se norteando pela coloquialidade sem dar conta de ao mesmo tempo traduzir a beleza da linguagem do original em sua simplicidade. Em outras palavras, é fácil fazer uma tradução “tosca” do original, porque é fácil confundir simplicidade com simplismo. Mais desafiador e recompensador é conciliar no texto em português a simplicidade da linguagem do autor com a beleza de seu discurso e a beleza incomum das imagens poéticas inusitadas que ele utiliza.

- E quais você considera as características mais marcantes de seus textos?
Acho que já respondi essa nas duas anteriores... rsrs...

- O que mais lhe chama a atenção na figura de Bukowski? De vida a escrita.
Talvez seja esta atraente combinação, isto é, a muito bem humorada, comunicativa, lúcida, louca e lírica forma de reescrever sua biografia, ampliando-a, distorcendo-a, e moldando-a em seus trabalhos de poesia e ficção, conforme uma visão de mundo corrosiva e ao mesmo tempo terna, passível de compaixão, ensaiando mesmo nos momentos mais difíceis um humanismo sem igual.

- O senhor também é poeta. O Bukowski é uma das maiores inspirações?
Acho que é uma inspiração contínua, assim como a poesia do Leonard Cohen, onde também pratiquei um trabalho de imersão e tradução (“Atrás das linhas inimigas de meu amor” é o título da antologia poética que organizei e traduzi desse poeta canadense). Mesmo após concluir minhas traduções do Bukowski, continuo envolto por sua poética pois ano após ano sou alimentado por novos livros de poemas (são diversos os livros póstumos), biografias, livros de entrevistas, ou ensaios do autor de modo que desde 2000 (quando comecei a ler e traduzir seus poemas) convivo com ele quase que diariamente. E acho que tem sido uma boa convivência... rsrs...

- O que torna uma poesia boa, em sua opinião?
É tudo aquilo que está além do poema, muitas vezes é aquela sensação, sentimento ou constatação que vem depois da última linha lida no papel. Pois um bom poema tem muito a ver com quem lê. Dependendo de como se lê, o poema cresce, ganha altura, verdade, beleza e prazer sensorial de formas jamais vistas. Compartimentado no papel, o poema pouco pode. Mas livre, solto e saltando aos olhos, fazendo um som na mente do leitor é que ele ganha significação e força, muito além de sua aparente fragilidade. Um bom poema é meio que essa parceria: uma letra em carne viva no papel, intimando uma música na sua cabeça a sonhar ousadias.

Fernando Koproski é poeta, tradutor e letrista. É autor da trilogia "Um poeta deve morrer", composta pelos livros "Nunca seremos tão felizes como agora (7Letras, 2009)", "Retrato do artista quando primavera (7Letras, 2014)", e "Retrato do amor quando verão, outono e inverno (7Letras, 2014)". Como tradutor, organizou e traduziu as antologias poéticas de Charles Bukowski "Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7Letras, 2005)" e "Amor é tudo que nós dissemos que não era (7Letras, 2012)", bem como da antologia poética de Leonard Cohen "Atrás das linhas inimigas de meu amor (7Letras, 2007)".



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