sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O sangue suja de raiva, ódio, indiferença. O sangue suja de beleza e paixão. E de paixão em paixão mal curada, o sangue suja de compaixão e verdade. O sangue suja o coração desse velho poeta na iminência da morte, quando ele vê se formar o seu último inverno. O sangue suja quando um amor vai embora. O sangue suja depois que elas, todas as mulheres, já foram embora, e não há mais nada, só um velho, uma máquina de escrever com as teclas gastas e um coração usado.
Mas o velho já sabe de tudo isso, todos os mecanismos poéticos e antipoéticos pelos quais o sangue suja no dia a dia. Ele também já viu o sangue sujar quando era jovem e intimava o barman a uma briga nos fundos do bar. Quando os primeiros invernos pediam uísques puros, olhos puros e corações limpos, o jovem Buk encontrava a Morte sempre a postos, bebendo sozinha no balcão. Lá estava ela, sempre ela com aquela sede de sangue de poeta, mordendo um beijo a cada poema sincero e mulher desonesta.
Assim é que o sangue suja, enquanto Deus arranca poemas de sua cabeça. Sim, o sangue suja e se lava nessa poesia. O sangue suja as páginas de poesia – da maneira mais curta, mais bonita e mais explosiva que se possa imaginar. Porque assim é a poesia do velho Buk: uma poesia clara, verdadeira e imediata como um jab de direita na cara do conformismo, um murro no estômago da indiferença, um soco no saco da Morte.
Conforme traduzia esses poemas, sentia cada soco lírico vibrando na carne, chamando o sangue à superfície da pele. Assim é que traduzi, num corpo a corpo imprescindível com a página, pondo a língua materna pra lutar com a estrangeira lá naquele beco, onde tudo de fato acontece, nos fundos do Bar das Poéticas Contemporâneas. 
Assim é que sujei também meus punhos com esse sangue, esmurrando as paredes surdas aos poemas, percebendo as nossas vidas como um mero buquê de sangue enquanto se espera por um amor, um sonho, o súbito clarão da palavra, ou pelo menos a manhã seguinte. Porque nós somos essa espera, e às vezes o que resta é ver como a loucura flutua na lagoa ou como caminhamos desajeitados em direção ao Nirvana, enquanto o sol comanda a misericórdia.
Mas isso não é motivo pra desistir. Como diz o autor, essas são as noites em que você luta melhor. Por isso, quando entrar nesse livro, não precisa se esquivar da Morte ou fingir ficar indiferente. Nos fundos daquele bar, o autor te espera para uma luta de 15 assaltos, ou melhor, 60 poemas... Mas você não precisa ter medo de ver o sangue sujar. O autor não teve medo de encarar a página e arregaçar o coração na sua frente. Então cai dentro, meu amigo, e lembre-se: só depois que o sangue suja é que o poema limpa o coração e a mente.

Fernando Koproski
texto de apresentação da antologia poética MALDITO DEUS ARRANCANDO ESSES POEMAS DE MINHA CABEÇA (7letras), de Charles Bukowski

http://www.livrariascuritiba.com.br/maldito-deus-arrancando-esses-poemas-de-minha-cabeca-aut-paranaense-lv386681/p

http://www.livrariascuritiba.com.br/essa-loucura-roubada-que-nao-desejo-a-ninguem-a-nao-ser-a-mim-mesmo-amem-7-letras-lv314866/p

http://www.livrariascuritiba.com.br/amor-e-tudo-que-nos-dissemos-que-nao-era-autores-lv314864/p

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